terça-feira, 11 de janeiro de 2011

um estudo sobre a obra ANA TERRA de Érico Veróssimo

ANA TERRA – CORAGEM E CONQUISTA DA MULHER CONTRA AS LEIS PATERNAS NA NARRATIVA MODERNISTA DE ÉRICO VERÍSSIMO.
Por Madai de Queiroz
RESUMO: Narrativa que espelha as diferenças de classes vividas pela família de Ana Terra, moça acanhada de vida sofrida que enfrenta a lei paterna e resolve entregar-se a um estranho, na tentativa de elucidar o curioso desejo de tornar-se mulher mesmo já sendo; correndo riscos, não mede medos e para isso entrega-se ao índio a quem devora pelo desejo de experimentar o invisível mas o concreto pela força do libido. Vê seu desejo fatalizado na agonia de perder o pai do filho que está no ventre; dali onde começa aos poucos seu martírio.
1 INTRODUÇÃO
Ana Terra é um romance que faz parte de O tempo e o vento, obra esta lançada quando Érico Veríssimo ainda era vivo; o romance aqui pautado, mostra o vigor que uma mulher é capaz de conduzir; os encantamentos que permeiam os pensamentos de uma moça que aos vinte e cinco anos jamais havia experimentado qualquer contato com um homem.
Mesmo com o corpo totalmente moldado e definido, Érico Veríssimo faz questão de aflorar de forma clara e ao mesmo tempo misteriosa e enigmática, os pensamentos que atropelam essa moça-mulher, ladeados por ventos de lembranças da sua infância sofrida; a instância que fora criada e as desigualdades que eram patentes na vida e no dia-a-dia.
Presa a uma rotina coberta pelo instinto da sobrevivência; Ana Terra conhecia a palmo cada pedaço de terra, estação e toda aquela exuberância que em espetáculo servia para enrustir as esperanças de um dia quem sabe, experimentar o convívio e a civilização; sair dali, fugir dos riscos e ao mesmo tempo da tranqüilidade do lugar, eram desejos efusivos que fomentavam sua mente.
Érico Veríssimo consegue colocar os desejos de Ana Terra, tão patentes e cria na sua narrativa uma trama que permite o encontro de Ana Terra à beira de um regato, com o misterioso Pedro Missioneiro, possuidor de uma sofisticada cultura e erudito nas artes musicais e que a princípio tem o repúdio desprezível de Ana Terra; mas que a seguir desenrola-se numa paixão cheia de desejos tão primitivos e ao mesmo tempo capaz de acentuar o ódio e vingança do seu pai e irmãos que é elucidada na morte de Pedro Missioneiro, deixando sua semente no ventre de Ana Terra.
Narrado em terceira pessoa; percebe-se uma sequência lógica, de um tempo cronologicamente marcado pelas ações que sustentam a firmeza de uma mulher que persegue seu itinerário e ultrapassa os limites de raça, classe, domínio paterno e constrói suas bases firmadas na evolução e na continuação dos laços familiares vividos com seu filho Pedro.
2 EMBATE DE IDÉIAS ENTRE AS LEIS PATERNAS E O INSTINTO DA MULHER.
No século XVIII, a família Terra, composta por pais e irmãos, vivem no interior gaúcho, à base da colheita e uma vida pacata, fora os perigos de serem surpreendidos a qualquer hora por saques das terras, perigos vividos constantemente ali; onde bandos, saqueavam casas; levavam gado e por vezes tinham que refugiar-se no mato, até que o perigo fosse amenizado.
O velho Terra convertia toda frustração pelas desigualdades que vivia, na proteção da sua prole, mesmo que para isto tivesse que matar; penetra-lhe à mente o desejo desenfreado de vingar-se daquele estranho; e convoca os dois filhos para darem cabo de Pedro Missioneiro, meso que soubesse que Ana Terra, estava com uma semente no seu ventre; a lei paterna foi muito mais forte que qualquer instinto paternal.
Em contrapartida Ana Terra culmina no íntimo uma audaz culpa que se torna nada diante do desejo de conceber um filho, fazendo-lhe além de mulher, mãe. É nesse teor de firmeza que Ana Terra, não se deixa abalar e contra qualquer frustração, permanece intacta aos seus ideais de maternidade.
Ana Terra, apresenta no cunho da narrativa, a determinação, a ousadia de uma mulher que reúne braveza, pecado, culpa, angústia, instinto selvagem e em defesa da família entrega-se aos horrores dos castelhanos que invadem a casa, sendo estuprada várias vezes, por entrega espontânea, na tentativa de livrar a mulher de seu irmão, enquanto esta, com suas crianças escondem-se no mato, Ana Terra desfalece pela dor do estupro e ao acordar do seu pesar, presencia a violência estampada nas cenas de morte do seu velho pai, irmão e escravos, espalhados no solo da casa, saqueada e completamente destruída.
Como se num espelho, Ana Terra vê-se purificada da sua culpa e experimenta o sofrimento como uma oportunidade de curar-se da sua imundície e nesse encontro da dor e da satisfação, sente-se pronta e alegra-se ao receber o convite de um forasteiro para construção de uma nova vida.
3. ANÁLISE DA PERSONAGEM ANA TERRA
No século XVIII, a família Terra Cambará, descendentes de imigrantes portugueses, chega ao interior do Rio Grande do Sul e enfrentam todas as dificuldades que é percebida nas famílias à margem da civilização; esquecidas pelas autoridades, além de enfrentarem a forte disputa de terras próximas de fronteiras.
Ana Terra encena uma mulher gaúcha que enfrenta os transtornos e violência geradas sobre a mulher e mostra uma personalidade forte e valente que obstinadamente decidida, irá refletir nas gerações futuras seus traços de obstinação, conquista e firmeza de vontade.
Em frente a todas as perdas e violências vividas no contexto que cerca sua vida, Ana Terra não cede aos caprichos da mulher que gera no seu ventre e ainda na mente; o misterioso desejo de conhecer o prazer e experimentar enquanto mulher algo que compensasse todo o vazio vivido, pela falta de erotismo, tão evidenciado nas suas fantasias das solidões, onde preenchiam-se pelo labor dos afazeres de casa, no manejo das atribuições impostas à mulher.
A memória feminina, traz as fantasias mais abstratas que ao conhecer Pedro Missioneiro, tornam-se tão concretas quanto sua obstinação pela maternidade, tão fortes quanto as armas de defesa, geradas ao longo dos anos que marcaram as lutas dos homens que morreram em defesa de suas famílias.
A personagem Ana Terra, traz ainda embutida ma representação histórica que simboliza a mulher rio-grandense; traços fortíssimos de erotismo que realça-se no cenário solitário e infeliz causados pela natureza do lugar; e explica sua total entrega a Pedro Missioneiro.
Esta noite, esta noite, eu dormi longe. Esqueci do meu amor. Deus sereno, deu sereno na distancia e me cobriu de furta-cor. Veio o sol, veio o sol de manhã cedo o meu corpo incendiou.
(BOCHECO, Batala Cozida, pag 55)

A mulher que está enlaçada pela efusiva gestação de experimentar o amor mesmo que subjetivamente vivido; é traçada nas linhas que futuramente são adquiridas pela profissão da parteira que Ana Terra adota. Frente a paisagem das guerras, violências, Ana Terra experimenta a noite do prazer, a paisagem furta-cor, o so, são o cenário do encontro real que constrói a natureza da mulher sonhadora, pecadora. O resgate dos sonhos, dos desvarios, da alma da mulher, são traços que marcam a entrega do corpo e a cumplicidade com os devaneios criados na imaginação de Ana Terra.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ana Terra é o retrato forte das mulheres que servem no labor dos afazeres domésticos, à família e que mesmo diante à luta pela sobrevivência, não deixam morrer a garra e a expectativa de ser mulher nas suas variantes. Ana Terra constrói uma linha um tanto independente de resistência à dura vida que leva quando não deixa derramar lágrimas diante à morte da mãe; para ela, sua mãe experimentaria o descanso, então seria motivo de alívio; Ana via ali, o cessar das cantigas tristes que ouvira sua mãe cantar por anos experimentando a dor da vida forçada a causticante.
A solidão de Ana Terra, ganha resistência, ao conhecer Pedro Missioneiro, e daí a busca da realização do sexo, da entrega que perturbava-lhe desde os quinze anos; era ali a oportunidade diante daquela figura múscula, o grande momento de escancarar os desejos mais íntimos que foram companheiros, na sua trajetória enquanto mulher.
REFERÊNCIAS
• ABRANCHES, Dunshee. O Cativeiro: Introdução de Jomar Moraes. 2ª ed. São Luis, ALUMAR: 1992.
• BOCHECO, Elói Elizabete. Batata cozida, mingau de cara. 1ª ed. Brasilia: 2006.
• VERÍSSIMO, Érico. Ana Terra. 3ª ed. São Paulo: Companhia das letras, 2005.

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